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Mate a sua saudade da Nossa Terra

DÔE PARA O BLOG DE FRANCISCO SANTOS - PI 6h5q4d

domingo, 11 de março de 2012 6l6g4o

Texto do Escritor João Bosco 5k3ht



O PREZADO AMIGO ANTÔNIO JOSÉ TEM, INSISTENTEMENTE, ME CONVIDADO PARA ESCREVER UMA COLUNA SEMANAL PARA O SEU BLOG. INICIALMENTE, DIZIA ELE, SOBRE POLÍTICA. RESPONDI-LHE QUE POLÍTICA NÃO ERA O "MEU FRACO", MESMO PORQUE NÃO RESIDIA EM FRANCISCO SANTOS, PARA ESTAR A PAR DOS ACONTECIMENTOS DO DIA A DIA, ACRESCENTANDO QUE, NOVAMENTE, RECUSAVA O CONVITE, TENDO EM VISTA TRÊS RAZÕES: 1) A PAIXÃO DE NOSSA GENTE PELO TEMA, PRINCIPALMENTE EM ANO DE ELEIÇÃO PARA PREFEITO, QUANDO OS ÂNIMOS FICAM MAIS ACIRRADOS; 2) COMO TENHO AMIGOS DOS DOIS LADOS, PODERIA DESGOSTAR UM OU OUTRO COM AQUILO QUE ESCREVESSE; E, 3) A FALTA DE APTIDÃO PARA ARTICULISTA, JÁ QUE NADA ENTENDO DE JORONALISMO, CASO EM QUE A FORMA DE ESCREVER É TOTALMENTE DIVERSA DO TIPO DE LITERATURA QUE PRATICO.
DIANTE DISSO, ELE, ENTÃO, ME LIBEROU PARA ESCREVER SOBRE QUALQUER ASSUNTO, FOSSE CRIANDO CRÔNICAS, NARRANDO EPISÓDIOS OU, INCLUSIVE, POSTANDO PARTE DO QUE JÁ TENHO ESCRITO EM LIVROS OU ESPARSOS. ASSIM SENDO, PARA NÃO DESATENDÊ-LO E NÃO PARECER INGRATO COM QUEM TANTO TEM ME DADO APOIO, DESDE O PRÉ-LANÇAMENTO DO "JENIPAPEIRO" ATÉ HOJE,  DECIDI POSTAR PARTE DE UM CAPÍTULO DO MEU ROMANCE "PENSÃO CACILDA - Familiar", ESCRITO EM 1965, EM QUE DOU CONTA DE ALGUNS ASPECTOS DA VIDA SOCIAL E POLÍTICA EM NOSSA TERESINA DAQUELA ÈPOCA. NESSE PEQUENO EXTRATO PODERÁ O LEITOR, JOVEM OU NÃO, PERCEBER QUE POUCA COISA MUDOU DE ENTÃO PARA CÁ, NO QUE DIZ RESEPITO ÀS PRÁTICAS POLÍTICAS, SEJA EM NOSSA TERRA, SEJA PELO BRASIL AFORA 
FICA A CRITÉRIO DO LEITOR A APRECIAÇÃO E JULGAMENTO.


QUE TENHAM UMA BOA (OU MÁ) LEITURA.


 
 JOÃO BOSCO DA SILVA


 
                                                                               - 0 –

CAPÍTULO DEZ

                                                                         1.

É AGOSTO e o rio Parnaíba mostra suas coroas de areia alvíssimas, proporcionando aos habitantes da capital um arremedo de praia em cujas águas doces afoitos banhistas realizam profundos mergulhos, ao o que outros, mais cautelosos ou medrosos, ficam pelas beiradas, deixando que a água só lhes chegue à cintura.

            O rio é perigoso e traiçoeiro. Apesar das águas aparentemente plácidas, seus muitos buracos e depressões no leito provocam “funis”, que já tragaram a vida de incautos e afobados banhistas.

            O vento, quente e forte, sibila nos metais da bela ponte férrea, sobre cujos trilhos a “Maria Fumaça” desliza faz dezenas de anos, transportando pessoas e fazendo o escambo de mercadorias entre o Piauí e o Maranhão. Em homenagem a esse velho trem, João do Vale, inspirado compositor maranhense, compôs um belo xote, cujos primeiros versos leem-se abaixo.

                        Peguei o trem em Therezina

                        Pra São Luís do Maranhão;

                        Atravessei o Parnaíba,

                        Ai, ai, que dor no coração.


                        O trem danou-se naquelas brenhas,

                        Soltando brasa e comendo lenha

                        Comendo lenha e soltando brasa,

                        - Tanto queima como atrasa.

                        . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

                        Ai, ai, Coroatá,

                        Os cearenses acabam de chegar...

             Referência às centenas de cearenses e nordestinos de outros estados que demandavam o Maranhão fugindo do rigor das secas que sempre assolaram os sertões, periodicamente. Ganha destaque o cearense em virtude de outra famosa canção intitulada “Súplica Cearense”, de autoria de Gordurinha, cantor e compositor baiano, em que também se cantam os horrores da seca.

                        Meu Deus, perdoe eu encher os meus óios de água,

                        Por ter lhe pedido, cheinho de mágoa,

                        Pro sol inclemente se arretirar;

                        Desculpe eu lhe pedir a toda hora pra chegar o inverno,

                        Desculpe eu lhe pedir pra acabar com o inferno

Que sempre queimou o meu Ceará.

             Em geral, os ageiros desse trem movido a lenha chegam aos vários destinos – Caxias, Codó, Coroatá, São Luís ou vice-versa – com a roupa furada em vários lugares em consequência das faíscas desprendidas ao longo do percurso pela caldeira fumegante, penetrando pelas janelas em coruscantes fagulhas.

            É um belo espetáculo ver ar o trem, carinhosamente apelidado de Maria Fumaça! Rufando estrepitosamente – café com pão, bolacha não; café com pão, bolacha não –, e soltando alegres rabos de fogo por ambos os lados, sobrepõe-se à ponte em extensão, pois quando a cabeça do “bicho” atinge o lado de Teresina, seus últimos vagões ainda se arrastam pela Gurita de Timon.

            Ah, Velho Monge, majestoso e belo! Da Costa e Silva assim te cognominou – e imortalizou – em belo soneto.

                         Saudade! O Parnaíba, velho monge,

                        As barbas brancas alongando... E ao longe,

                        O mugido de bois da minha terra. 

            Libélulas e borboletas de mil cores pairam um pouco indecisas sobre o  espelho líquido do Velho Monge, para, depois, darem um rápido mergulho, repetindo aqui e além a façanha. A água, por sua vez ferida, parece gozar em convulsões concêntricas até voltar à placidez inicial, continuando a descida inexorável para o mar distante.

            Espetáculo singelo que os frequentadores das coroas não sabem apreciar. O rebuliço, a azáfama, o zunzum nas areias redivivas afugentam a natureza, que se retrai e se recolhe em si mesma ante a invasão do centauro urbano em busca de lazer e diversão.

            O mundo buliçoso lá de fora chegou até nós. O estrangeiro já é velho conhecido. Os termos tomados de empréstimo a outras línguas aí estão para prová-lo: expert, sex appeal, rush, development, rendez-vous e tantos outros. Estão aí os jornais, revistas, rádio e telefone, vendendo a retalho notícias ainda fresquinhas, dos quatro cantos do mundo. Uma estação de rádio local chega ao cúmulo de anunciar que “aqui se dá a notícia antes de o fato acontecer”. As revistas pornográficas, embora ainda de forma dissimulada, insinuam as maravilhas de corpos seminus em suas formas calipígias. O cinema, versão ampliada da imagem em movimento, ensaia os no mesmo sentido, embora também com certo cuidado na exposição. Comenta-se em qualquer esquina a última descoberta da ciência; em qualquer boteco, os avanços da tecnologia. Manchetes apregoam com estardalhaço o último crime, o derradeiro escândalo. Comentaristas e repórteres – experts em qualquer assunto -, dissecam os seus temas favoritos com riqueza de detalhes.

            Nos três ou quatro quarteirões da Paissandu, no auge da pujança, as boites iluminadas oferecem a satisfação dos desejos masculinos que as pudicas mocinhas suscitam em jovens mancebos, nos volteios coquetes, aos pares, na Praça Pedro II, a famosa P-2. São nomes sugestivos e pomposos como: BOITE IMPERIAL, BOITE IMPERATRIZ, BOITE ESTRELA, BOITE ARAÇAGI, BOITE PARIS, BOITE FACINAÇÃO (escrito assim mesmo, sem o S), O SUJEITO (essa, até oferecendo certo luxo), e tantas outras de menor expressão ou sem nome algum, todas a oferecerem bebidas, danças e a cama para o sexo.

Em muitos desses quartos, por alguns chamados de “Aps”, mas apenas por questão de eufemismo, nem ventilador existe. Apenas no bordel “O Sujeito”, na “Boite Estrela” e em mais um que outro, encontra-se tal conforto moderno. Nenhuma dessas boates possui banheiro privativo. Vários litros com água, uma bacia e algumas toalhinhas constituem todo o equipamento para higienização dos atores do imbróglio amoroso. Isso, para pessoas mais pudicas, é até constrangedor. Após a refrega, o garanhão posta-se de pé segurando a bacia entre as pernas meio abertas, enquanto a prostituta lhe lava do pênis o líquido seminal, enxugado-o em seguida, com uma das toalhinhas. Depois, agacha-se ela própria sobre a mesma bacia, e procede a uma rápida limpeza de suas partes íntimas, tentando livrar-se um pouco dos seus próprios gêiseres e do víscido produto masculino. Não raro, um e outro urinam no recipiente, posto que o ato sexual induz a essa necessidade biológica.

Essa é a Paissandu de tantas histórias...

É o mercado da carne jovem de mocinhas piauienses, maranhenses, cearenses e de outros estados, em geral vindas de cidades do interior, apresentadas como cariocas, paulistas, gaúchas e algumas até como oriundas das estranjas. Dessas o cachê é bem mais salgado, proibitivo, portanto, à bolsa do estudante pobre ou do comerciário mal remunerado. Essas ficam nos salões, sentadas às mesas, à espera do freguês endinheirado que lhes paga uma bebida, ensaiam alguns os de dança ao som de uma orquestra em surdina, e depois as levam para os Aps, para o serviço de cama. As mais velhas ou feias ficam nas esquinas e calçadas, em apelos sensuais, oferecendo seus préstimos e discutindo preços. Para essas existem as casas de cômodos, de aluguel bem mais barato. São free lancers.

            A sociedade, com a devida cautela, aceita essa geleia geral porque é quente; a cidade, sensual, as mulheres... Bem, existem-nas para todos os gostos e bolsos. Pois o mercado é farto em ofertas. Essa aceitação tácita do meretrício por parte da sociedade vem desde a alta Idade Média. Aliás, de muito antes. A Igreja, que já dominava a vida das pessoas em todos os aspectos temporais, aria também a policiar-lhes a consciência, instituindo a confissão secreta e, juntamente com ela, a absolvição. E todo o clero, desde a figura menor do padre ao mais alto posto da hierarquia eclesial, ou a ser detentor dos segredos de toda a gente. Isso representava um poder de vida e morte, tanto assim que se acontecia de alguém, principalmente o homem, ar algum tempo sem se submeter às barras do confessionário, era cobrado a fazê-lo; se resistisse, sofria as ameaças da excomunhão e do fogo do inferno para a alma imortal e, pessoalmente, tornava-se ível de enfrentar sérios transtornos, inclusive o tribunal da Santa Inquisição, em tempos não tão remotos.

            Mas onde entra a aceitação tácita do meretrício por parte da sociedade?

            Santo Tomás defende o seguinte:

... com relação à natureza física, o homem deseja naturalmente os prazeres do alimento e do sexo, assim também no que respeita a sua alma deseja ele conhecer alguma coisa. Mais à frente, conclui: Se uma mulher casada se enfeita para agradar o marido, pode fazê-lo sem pecado, já que isso pode ser um meio de afastá-lo do adultério.


            Lutero, o grande proscrito da Igreja, proclamaria mais tarde:

Uma mulher dotada de uma certa graça leve e rara não pode tão pouco ar sem homem como sem comer, beber, dormir ou exercer qualquer outra função natural. Tão pouco pode o homem ar sem mulher.


            O primeiro, quebrando a rígida disciplina eclesiástica que determinava somente ser lícito o sexo para a santa finalidade da procriação, libera o homem casado a praticá-lo com a sua mulher, desde que isso o afaste do adultério. O solteiro que se lixasse, conforme Tomás. Já Lutero declara-se liberal quanto ao seu exercício, seja para o homem, seja para a mulher, embora com relação a esta, exprima terrível e flagrante preconceito contra as feias, posto que a Eva luterana tem de ser dotada de uma certa graça leve e rara.

            Onde, pois, buscar o solteiro a satisfação dessa necessidade tão natural – o sexo –, se não junto à prostituta">

            Assim, com a implícita permissão da comunidade, essa mulherada toda – da Paissandu e de outros bordéis menosbadalados –, também nos finais de semana invade as coroas. Se não exageram nos trajes ou nas cavas dos maiôs, na pintura exagerada dos lábios, e têm comportamento discreto, chegam a ar por “moças de família”, integrando o colorido universo dos quentes veranistas. Pois, geralmente, são de boa procedência familiar, educadas e de boas maneiras, caídas na “vida fácil” em razão de um sedutor perverso que lhe levou a “honra”, e cujos pais – e não raro toda a família – as expulsam de casa para tentarem resguardar um pouco o orgulho e dignidade feridos.

            O carnaval é o fautor maior desse celeiro de carne jovem. Não era difícil se constatar, dois ou três meses após o reinado de Momo, a turma masculina, terminada a ronda na P-2, descer para a “Paissandu” em busca dessa messe de brotinhos jovens e inexperientes, sob os comentários de que “Fulana”, desceu; Sicrana caiu;  Beltrana sentou praça. Alguns, ao terminarem a transa, alardeavam, em resposta às perguntas dos curiosos (e invejosos) amigos:

            - Que tal?

            - Beleza! Um estouro! Ainda apertadinha!

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            Aqui, onde até bem pouco a pachorrenta paz ainda a todos irmanava, em que sentar-se na calçada para o papo descontraído era costume salutar e sem nenhum perigo, até aqui já se percebem sinais de tensão. Os muros estão pichados com inscrições recentes recobrindo as mais antigas:

            - Tudo pelos camponeses maranhenses! 

            - Luta de Classes! 

            - Viva Chico Julião!

            - Viva Cuba!

            - Viva Fidel!

            - Viva Che Guevara!


            Ou, ainda, a demagogia dos candidato no leilão de votos:

             - Para Senador, homem de larga visão, vote em José Cândido Ferraz!

            - Para Deputado Federal – Honestidade e Trabalho – vote em Dyrno Pires Ferreira!

            - Para Governador...

            - Para...


            Para tanta coisa! Para tanto cargo! Para Deputado Estadual; para Vereador – até para o diabo se pediam votos. Tudo isso de mistura às disputas à presidência de grêmios e centros estudantis. Trabalho! Honestidade! Visão! Devotamento à Causa Pública! Defesa dos Interesses Maiores do Povo! Eis o vocabulário com que se escreve o poema mural da antinomia demagógica. Cada candidato – e somente ele! – é espelho de honestidade, trabalho e honradez. Somente os homens de cada partido são bons – são únicos! Esquecem-se de que aquele “Honesto e Honrado Senhor” de hoje era, no pleito anterior, um patife e ladrão. Ele estava na oposição. Pouco bastou para se depurar: mudar de partido! Como se cada partido não fosse o cadinho mágico em que se depuram e se buscam os fisiologismos, as vantagens pessoais, as benesses do cargo. Nada mais espúrio e hipócrita do que os chamados “Programas do Partido”, que políticos finórios invocam e alegam para a macaqueação das mudanças, quando, com isso, vislumbram alguma vantagem para si e/ou para o seu grupo.

            Aqui uma parte do povo já desperta para isto: a percepção do jogo e do  logro. Adquire uma nova visão do mundo lá fora. E faz a cobrança. Estão aí, nas paredes e nos velhos muros, cobrindo às vezes as legendas mais antigas:


            - Reformas de Base! 

            - Terra para os Camponeses!

            - Viva as Ligas!


            O povo aqui já se conscientiza, já se politiza. Já se sente parte do mundo. Convivem conosco os reformadores sociais. Já se tem consciência das convulsões sociais lá fora, do que se busca em benefício de todos: a divisão mais justa e equitativa dos bens que a própria sociedade produz, através do progresso e do desenvolvimento. Até aqui já se tem consciência de que se faz necessário iniciar a luta contra a política dos currais eleitorais e do coronelismo. De que é preciso arrebentar cabrestos, quebrar cangas e derrubar currais. Mister se faz que as velhas oligarquias – rurais e urbanas –, sejam substituídas com urgência. É preciso dividir a “mais valia”.

            Esse sentimento novo andava no ar. Farejava-se por toda parte esse clima de agitação, de protesto, de contestação jovem. Era o movimento hippie incipiente, com o slogan: “Faça o Amor, Não Faça a Guerra”. Detectava-se também uma insatisfação, uma espécie de negação à dominação do mundo pelo Grande Irmão do Norte, principalmente na América Latina. Era Marcuse com uma proposta nova de “Poder Jovem”. Era Mcluhan com a sua ideia de “Aldeia Global”, focada no instantâneo das comunicações. Era Theodore Roszak, com o livro A Contracultura, cuja chamada é “O Dilema da Sociedade Tecnológica”, no qual procura, com os seus ensaios filosóficos e sociológicos, analisar e entender os destinos de uma sociedade em rápido processo de mudança. Ali, ele não apenas examina as diferentes visões de mundo, como propõe uma ruptura com os velhos padrões e conceitos no campo da educação, da política, das relações sociais e da economia, como forma de reorientar toda uma juventude sem rumo e meio alienada.

            Era o “Mutante Cultural” tomando chegada de mansinho. E, junto, os alucinógenos – o LSD, a maconha... Era o estabelecimento de uma nova consciência que, neste momento, irradiava-se pelo mundo inteiro, e que estava a provocar grandes mudanças a que Toynbee denominou “Grande Curvatura Histórica”. E Teresina fazia parte desse sentimento, participava desse momento de mudanças através de alguns inflamados líderes estudantis, embora ainda se constituísse um movimento um tanto acéfalo, meio amadorístico e algo romântico. Alguns desses arautos estudavam no Rio de Janeiro, onde a contestação já ganhara caráter de luta em que se buscava implantar esse ideário entre os estudantes, o proletariado e o campesinato.

            Embora andassem no ar essas ideias, paradoxalmente só uns poucos a elas aderiam pelo fato de não terem delas uma melhor concepção ou entendimento. Enquanto alguns falavam de Cuba, de Che, de Marighela e outros grandes líderes estrangeiros, a maioria estudantil ainda permanecia na indiferença, muitos até nem se dando conta de que houvera uma revolução vitoriosa em Cuba. Isso porque o reacionarismo ainda era muito forte, pois não interessava à burguesia urbana e rural a derrubada dos currais e a quebra dos cabrestos. Não obstante essa aparente paralisia, o grito de liberdade preso na garganta estava prestes a eclodir.

            Não seria naquele domingo de agosto, naquele exato domingo. Naquela exata manhã em que libélulas e borboletas de variegadas cores beijavam a face das águas serenas do Parnaíba. Naquela manhã, ainda coexistiam, de forma harmoniosa e ordeira, a burguesia urbana e rural e a massa de estudantes não-engajados, de comerciários conformados com os meios-salários de fome que lhes pagava o patronato insensível, e de trabalhadores rurais jungidos à coleira de ferro da feudocracia ruralista, reacionários – todos, ou boa parte -, às ideias de lutas por reformas e mudanças.

            O patronato, fosse industrial, comercial ou rural, entrincheirava-se na defesa intransigente de seus “territórios”, com apoio das forças armadas, de grande parte dos parlamentares – deputados federais e senadores –, da esmagadora maioria do clero conservador e de boa parte da imprensa, cujos patrões preferiam ouvir falar no diabo que em mudanças. E a classe trabalhadora, salvo uns poucos gatos-pingados, na vacilação pequeno-burguesa, [5] que ora se posiciona a favor da burguesia, ora se compõe com o proletariado de todas as classes sociais.   

            Havia, porém, um germe plantado pelo clero, antes chamado ACO – Ação Católica Operária, depois mudado para MEB – Movimento de Educação de Base. Embora fosse esse um movimento essencialmente de evangelização, o viés político estava contido em suas diretrizes. Como fator fundamental dessas diretrizes estava a promoção humana e a libertação integral, significando isso lutar contra as barreiras e contradições sociais. A ala progressista da Igreja  assenhoreou-se dessas franquias de forma a estender suas ações às periferias das pequenas, médias e grandes cidades, executando aquilo a que se propunha o Movimento, que era fazer a “Opção Preferencial Pelos Pobres”.

            Foi assim que surgiram figuras como Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga e Dom Antônio Fragoso, precursores de uma pregação de cunho revolucionário no sentido da promoção da justiça social em que a divisão equitativa e justa da terra era matéria de primeira plana.

            Com a mesma finalidade, criaram-se associações de jovens, tais como Juventude Estudantil Católica; Juventude Operária Católica; União dos Moços Católicos; Juventude Universitária Católica, dentre outras. Apenas os MEBs, em virtude de sua capilaridade (estavam presentes praticamente em todas as paróquias) tiveram mais eficácia na divulgação de suas ações em razão do que   a adesão das massas às suas teses foi bem mais expressiva. Foram os MEBs que conseguiram despertar no povo o sentimento de injustiça, no campo e nas cidades, e de que eram vítimas da cruel exploração patronal.

* * *



2 A explicação para estas palavras de ordem pode ser buscada na revolta de Dona Noca, em 1951, quando era prefeita de São João dos Patos. Latifundiária todopoderosa, mas de tendências liberais, juntar-se-ia a movimentos eclodidos em São Luís contra a posse do governador eleito Eugênio de Barros. Embora seu levante só tenha durado um mês, foi o suficiente para inflamar as mentes do campesinato maranhense e depois, Brasil afora. (Nota do Autor)

3  À parte o conceito marxista e a concepção social da Igreja sobre Luta de Classes, referimos apenas à percepção que se fazia dela no Nordeste e principalmente no Piauí, que era a luta do campesinato contra o latifúndio.

4 Advogado Pernambucano, muito ligado à história das Ligas Camponesas. (Nota do Autor)

A idéia das Reformas de Base nasceu em 1958, no Governo Juscelino Kubitschek, mas apenas com João Goulart elas começariam a tomar forma e abrangiam os campos educacional, fiscal, político, urbano e agrário. (Nota do Autor) denominação dada à classe média pela Cartilha Comunista, que não se definia de que lado ficar. Isso também se aplicava a dirigentes do PCdoB. Quando, por exemplo, um membro do partido tomava uma posição muito dogmática, era sectário; quando se mostrava indeciso, estava cometendo uma “vacilação pequeno-burguesa. (Nota do Autor, cf. Aylton Quintiliano, in A GRANDE MURALHA, 1959)


quinta-feira, 1 de março de 2012 5f16e

Carnaval dos idosos de Francisco Santos 6k4t47




 A prefeitura municipal de Francisco Santos por meio do Centro de Referencia da Assistência Social – CRAS realizou na última terça-feira (14), um evento comemorativo ao carnaval. O evento reuniu idosos para comemorar o carnaval com muita alegria e muita dança. 


























segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012 2z3c2q

Festival do Senhor em Francisco Santos, rebate carnaval mundano! m4v2v


   Nos dias 20 e 21 de fevereiro , o G.O. Renascer no Espírito, reuniu-se no salão comunitaário de Francisco Santos com o objetivo de louvar o Senhor em uma época de festas mundanas, como o carnaval, onde o foco é sastifazer os desejos da carne.
          Com o tema "O Senhor é o meu pastor e nada me faltará (sl 22)", o Festival do Senhor vem trazer para nós a vivencia do pastoreio, de apascentar as ovelhas do rebanho do Senhor, pois este é o tema central em que vive toda a RCC do Brasil este ano. Na segunda-feira aconteceram várias pregações sobre o amor de Deus, o Espírito Santo, cura interior e pastoreio, além dos louvores e orações, que levaram o povo a ter momentos de intimidade com Deus. Na terça-feira iniciamos o dia com louvores de agradecimento a Deus pelas bençãos, logo em seguida, houve clamores pedindo a efusao do Espírito Santo, que foi derramado sobre a assembléia. O Festival do Senhor foi encerrado com a celebração da Santa Eucaristiana na Igreja Matriz Imaculado Coração de Maria, onde foi visível a manifestação de Deus no meio do povo.
           Em um momento de carnaval mundano, nada melhor que louvar e adorar a Deus como forma de combate aos frutos do pecado resultantes dessa época. Com o desejo de resgatar pessoas de uma vida afastada de Deus a RCC vem trazer uma proposta diferente de carnaval, que é o Festival do Senhor, onde realmente há motivo para uma verdadeira alegria: CRISTO JESUS!

                                      












sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012 j6t2r

NOVIDADES NO BLOG!!! EM BREVE i2k5w

 
CAROS MORADORES E CONTERRÂNEOS DE FRANCISCO SANTOS, EM BREVE TEREMOS NOVIDADES NO BLOG DE FRANCISCO SANTOS!!!!! EM!!!! 


FAÇAM SUAS DOAÇÕES E NÃO DEIXEM O BLOG ACABAR!!!!! ESTAMOS ESPERANDO NOVOS PATROCÍNIOS!!!!!!!!!

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012 3p276

Artigo do Conterrâneo José Carmo Filho Residente em Brasília 331h5j




TRANSIÇÃO PLANETÁRIA


Um rápido olhar sobre os acontecimentos mundiais das últimas décadas leva-nos a meditar sobre o que de fato está ocorrendo com o planeta Terra, não só em relação às questões geológicas e climáticas como também no que se refere aos rumos civilizatórios de sua população. Um processo de profundas mudanças em andamento é claramente perceptível pelas pessoas medianamente esclarecidas. Nota-se uma inquietação geral, típica de crises geradas pelas incertezas, no caso, para onde caminha a humanidade. Este tema, pois, tem sido objeto de permanente debate, assim como título de livros, nome de programas, conferências, congressos, etc.

O assunto em tela tem sido também objeto de interesse da ciência e dos governantes, notadamente no que diz respeito ao clima e à ecologia. Grandes eventos mundiais têm sido realizados, nas últimas décadas, no âmbito dessas matérias, como a Conferência do Rio - a ECO 92, o Protocolo de Kioto e o Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC. Ao contrário do que era de se esperar, as ações até aqui têm sido pífias, especialmente pela resistência de quem mais contribui para o envenenamento do planeta: os Estados Unidos da América.

O pesquisador inglês e combativo ativista James Lovelock, em seu livro Gaia: Alerta Final, tece pesadas críticas às decisões adotadas no âmbito do IPCC, inclusive a forma como atuaram os cientistas que, em alguns casos, decidiram por consenso. Tal modo de proceder, segundo Lovelock, não se coaduna com o que se espera de quem conhece a fundo causas e efeitos das mudanças sob análise. Afirma citado senhor que as previsões do IPCC, por exemplo, foram subestimadas, fato este comprovado por medições recentes.

Na visão ainda de James Lovelock, a possibilidade da extinção da vida no planeta Terra é fato. No livro A Vingança de Gaia ele afirma peremptório: ‘’vivemos num clima maluco e estamos amaldiçoados não importa o que façamos’’. Apesar de aparentemente exagerada tal conclusão, os registros existentes sobre as alterações no clima, elevação do nível do mar e outros fenômenos telúricos são indicadores preocupantes, até mesmo para os leigos no assunto, como o autor destes comentários.

Nos aspectos geológicos e climáticos, as perturbações são freqüentes e impressionantes. São vulcões a jorrar larvas e fumaças em diversas partes, a ponto de inviabilizar por alguns dias o tráfego aéreo de boa parte do continente europeu. Tsunamis devastadores atingem países com milhares de morte e prejuízos incalculáveis. O excesso de dióxido de carbono, decorrente das queimadas de florestas, da atividade industrial, do uso de combustíveis fósseis e da superpopulação sempre crescente, vai acelerando o aquecimento global. Consequentemente, o processo de degelo se acelera, contribuindo também com a subida do nível dos oceanos. A elevação da temperatura e a acidez crescente das águas do mar comprometem aos poucos as fontes de alimento nelas existentes, especialmente as algas. A desertificação e a seca vão assumindo dimensões preocupantes, reduzindo a produção de alimentos e a fome vai se espalhando, principalmente na África. Necessário ressaltar que estes fenômenos sempre existiram. O que chama a atenção são a frequência, a velocidade e a intensidade dos mesmos, sinalizando sérios riscos para a sustentabilidade da vida no planeta.

O quadro que vai se formando no horizonte é apocalíptico. Ainda assim, observa-se uma ividade estonteante dos detentores do poder. Afinal o que lhes interessa é manter o ‘’status quo’’: crescimento econômico e industrial sem limites, mesmo que isto signifique a exaustão completa dos recursos naturais. Neste contexto, os ambientalistas, incluindo-se aí as ONGS e outros grupos de pessoas preocupadas com a saúde do Planeta, não são bem vistos e muitas vezes até perseguidos por algumas autoridades governamentais.

Nas tradições religiosas, especialmente as cristãs, há menções claras a tempos difíceis, a começar pela Bíblia. Apesar do simbolismo das mensagens evangélicas, há claras referências a profundas transformações que acontecerão. O dia, a hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem mesmo o Filho, mas somente o Pai (Mc, 13, 32). Sobre o mesmo tema também discorre João, no Apocalipse, a partir do cap. 15, bem como Lucas, Mateus, Marcos e Pedro, na segunda epístola. No Livro a Gênese, o francês Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, com a responsabilidade que lhe era peculiar, afirmou: ‘’são chegados os tempos, dizem-nos de todas as partes, marcados por Deus, em que grandes acontecimentos vão se dar para regeneração da Humanidade’’. Este objetivo, entretanto, seria alcançado de forma gradual, no seu entendimento, e não ará necessariamente por mudanças físicas bruscas, aterradoras, mas pela predominância dos bons sobre os maus. Para tanto um processo de seleção já teria sido instalado, segundo fontes respeitáveis. Tal fato mantém coerência com a agem evangélica onde Jesus se refere claramente sobre a separação dos bons e dos maus (Mt .25, 31-33 ).

Sempre fez parte do imaginário popular o fim do mundo. Possivelmente em razão de inúmeras profecias feitas antes e depois da era cristã. No Antigo Testamento, profecias apocalípticas foram feitas por Moisés, Baruc, Daniel e Elias, entre outros. Já em tempo mais recente, são famosas as profecias de Nostradamus e de São Malaquias. Este último teria previsto, com exatidão, a sua própria morte, e mais, teria indicado de forma alegórica os 112 próximos papas, sendo que o atual, Bento XVI, seria o penúltimo.

Muitas datas para o fim do mundo já foram estabelecidas e nada aconteceu. O ano de 2000 é a mais recente. De uns tempos para cá, as especulações se voltaram para o ano de 2012, mais precisamente para o dia 21 de dezembro. Sobre esta nova data muito já foi escrito em livros, artigos, reportagens, etc. Fala-se em mais de 150 livros editados sobre o assunto. Entretanto, limito-me a citar apenas dois: O Cataclismo Mundial em 2012 e o Código de Órion, ambos de autoria de Patrick Geryl, que toma como base para os seus estudos as profecias maias e egípcias. Segundo este autor, a causa para o fenômeno seria a brusca mudança do eixo da Terra, que provocaria, em larga escala, profundas mudanças na geografia do planeta Terra, desaparecendo a civilização tal como a conhecemos agora. Seu trabalho é embasado, em linhas gerais, em complexos e extensos cálculos, tomando-se como ponto de partida suposto desaparecimento de um continente – a Atlântida – submerso após gigantesca catástrofe em tempos imemoriais.

Há, evidentemente, milhares de outras informações sobre o assunto, inclusive livros e programa de TV, na internet, com o título transição planetária. Mas para o fim aqui colimado, esta visão panorâmica parece-nos adequada para o despertar de muitas pessoas, induzindo-as pelo menos a refletir um pouco sobre mundo atual, suas inquietações e sua quase agonia. Necessário ainda ressaltar que não existe nestes comentários nenhuma intenção de provocar pânico ou outros temores. Trata-se tão somente de abordar um tema que, com muita freqüência, vem sendo debatido e comentado pela mídia e outros meios de divulgação, infelizmente com enfoque maior para a exploração do medo. Contrapondo-se a este clima, entretanto, é necessário enfatizar que todas as datas marcadas pelas profecias para o fim de mundo, desde Zaratustra, erram. Ainda bem!

Apesar disso são fortes as evidências no sentido de que algo pode acontecer nestes próximos anos. Há um clamor das pessoas de bem por mudanças, seja entre os cientistas, religiosos, ativistas, pessoas enfim que sonham com um mundo melhor. Parte dos cientistas adverte para os perigos que nos rondam. De outro lado as profecias de todos os tempos falam de dias difíceis, de muitas dores, de muito sofrimento. Evidentemente é perceptível um processo de mudança em andamento, seja no campo físico do planeta, seja nos valores morais e espirituais. De tudo isto resultará uma nova realidade, e esperamos que não ocorra a partir de uma profunda e brusca comoção geológica do planeta Terra. Ainda assim, há os indiferentes ou que ignoram tudo isto por conveniência e se esforçam ainda mais para sugar a última gota de sangue de Gaia. Seriam os que têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem, de que falava Jesus? Há, entretanto, pessoas mais sensíveis e responsáveis que pensam e agem diferentemente. Eu tento ficar entre estas últimas.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011 7493m

Seresta no Clube recreativo 3 Irmãos 4hl26


O proprietário Garlene tem o prazer de convidar toda a população local e de localidades vizinhas, para uma animadíssima seresta com Demerval, no próximo domingo dia 25/12/11. Traga sua família para festejar o Natal no clima agradável do Clube Recreativo 3 Irmãos  

3ª Parte do texto artigo/romance do poeta/escritor João Bosco da Silva 116x1r

J O Ã O  B O S C O  D A  S I L V A




* * * DE P É - C O X Ó * * *
 
Mas, o que é Viroveu?

O Viroveu tem a sua história e o seu porquê.

As terras de nossa antiga residência de inverno exauriam-se rapidamente, o que forçava a família Loura a "botar" roça nova a cada ano. A divisão geodésica em Jenipapeiro ocorrera em meados da década de 1940. João Mariano, previdente que era, já tinha em mãos os seus títulos, representados por folhas de pagamento ou formais de partilha, em seu nome e no nome de cada filho. Esperava somente a demarcação, com a abertura dos aceiros e a fixação dos limites, para registrá-los no cartório de Pascoal Santos, em Picos. Confidencialmente, seu amigo Licínio Pereira já o prevenira que a demarcação viria no início da era de 50. Seria bom que ele, meu pai, procurasse terras descansadas, de preferência de matas virgens e, se possível, longe de vizinhos, para evitar futuras arengas.

- Por ora - informava aquele chefe político (informal) - o lavrador poderia fixar-se aonde bem quisesse, desde que não criasse problemas. Depois da demarcação, isso não seria mais possível. Seu Loura, não obstante o apego ao velho sítio, resolveu seguir o conselho do líder e amigo. Assim, no verão de 1947, partiu em companhia dos filhos mais velhos para uma viagem exploratória. Em lugar ermo, isolado, mais de légua a oeste do último rancho, julgou encontrar o que procurava: terra plana, solo arenoso, de cor róseo-avermelhada, boa mata, ainda intocada. Não existia água, pelo menos em círculo de uma légua. "Tem nada não, dá-se um jeito" - ele pensou. – “Onde estamos atualmente também não havia. O rio deverá ficar a coisa de uma légua, é só abrir caminho" - concluiu. Era ali mesmo, apesar das opiniões contrárias dos filhos. Adotando como lema o provérbio popular que recomenda não deixar para amanhã o que pode fazer hoje, logo fez rancho e instalou-se provisoriamente, iniciando a ocupação. As dificuldades foram muitas, mas ele as foi vencendo uma a uma. Até a escolha do nome da nova morada tem sua história, que se resume no seguinte. Durante as semanas que ali aram em serviço de broca, não viram outro vivente que não um pequeno pássaro de penas azuladas e canto muito triste.

- Quando essa ave rara soltava a voz, ali pelas cinco da tarde, parece que chorava - concluía seu Loura, explicando a razão do nome e revelando, assim, o sentimental que se escondia atrás de sua carranca aparentemente impenetrável.

Mané Loura, principalmente, não gostara nada daquele local. Certo dia, após ouvir o sofrido canto do solitário arinho, aproveitou a ocasião para, assim como quem não quer nada, criticar a decisão paterna, comentando:

- Será que o bichinho está com sede?

- Este pássaro não bebe água, só vive em lugar seco - respondeu o velho, entendendo a intenção do filho em juntar mais um argumento contra a escolha daquele lugar.

- E que pássaro é este que não bebe água?

- Se chama viroveu - disse, lacônico, o velho.

- Será que nós também vamos ter de viver que nem ele? Se pelo menos fôssemos como papagaio, que tem a língua seca, mas faz zoada, em vez desse canto chorado...

Esse comentário foi bastante significativo, era a reprovação mais evidente que o filho mais velho tivera coragem de proferir. E o velho, pegando no ar os subentendidos, rebateu:

- Se não quiser me acompanhar, pode tomar seu rumo. Você é de maior, casado, e tem seus papéis na mão; portanto é dono de seu nariz. – E como remate, olhando por cima do lombo: - Isso vale para qualquer um de vocês.

Isso encerrou o assunto. Mané Loura teve de aceitar a decisão do patriarca do clã. Mesmo assim, não deixou de resmungar para os demais irmãos:

- Só que não somos viroveu. Virmos para um lugar que nem água tem pra aliviar a sede de uma pequena ave que nem essa... ?!

Já no inverno seguinte, mesmo a contragosto de Mané Loura, a mudança foi feita. E um ano depois, abriu-se caminho direto Viroveu/Ribeira e a Serra Velha foi sendo abandonada, abandonada...

Dela, hoje, nem posso imaginar o sítio.

Aí estava: V i r o v e u, nossa nova morada de inverno. Em homenagem a esse pássaro triste, que de tardezinha soltava sua voz plangente, como a envolver em nostalgia e mistério o espírito do homem cansado, mas nunca vencido.

Viroveu!

Uma invenção de meu pai? Certamente, porque não existe em qualquer dicionário, nem mesmo no livro "Aves Brasileiras", edição do MEC, qualquer registro de ave com esse nome. Talvez um dia algum estudioso da arada consiga descobrir qual a ave com essas características e possa, então, explicar porque teria sugerido ao velho Loura nome tão singular. Possivelmente, a onomatopéia do canto:

Viro... veu; viro... veu; viro... veu ! ! !

A pequenos intervalos, três trinados de dor e nostalgia!

V i r o . . . v e u ; v i r o . . . veu; v i r o . . . veu ! ! !

O nome pegou que nem visgo. E mais do que isto: virou xodó! Tem suavidade e sugere tristeza. Mas o Viroveu só é feio e triste em tempo de seca, quando tudo seca - a terra, a mata, o ar, os bichos e... o próprio Homem!

* * *

Ai, Viroveu... Doces lembranças que me põem saudoso!

Vejo - ou revejo - meu pai, sempre aos domingos, a convidar-me a dar um eio pelas roças. Tomava-me a mão e saíamos a fazer o périplo da verificação do crescimento do feijão, da mandioca, da melancia e das demais promessas da estação.

Quanta emoção ao, lá um dia, descobrirmos o primeiro botão, o primeiro “canivete”, a primeira vagem diminuta! Da melancia, então, descobrir a primeira vinga, nem falar!

- Cuidado! - recomendava Seu Loura.

E, então, acocorava-se ali pertinho e, quase com devoção, quedava-se a olhar aquelas primícias de sua safra com um carinho de amante. Cuidadosamente, afastava uma rama mais próxima, arrancava um matinho que lhes ficasse por perto e, daí, profetizava:

- Dentro de vinte dias, no mais tardar um mês, a gente come o primeiro cozinhado.

- E a melancia, quando a gente parte a primeira? - eu perguntava, todo interessado.

- É também por esse tempo.

E prosseguíamos viagem pelo mandiocal novo, os tenros brotos a despontar com viço da roça nova, queimada de próximo. E ele, redobrando-se em cuidados, sempre a recomendar:

- Veja por onde pisa!

Na volta, trazia o molho de maxixe pendurado no dedo, para temperar o feijão velho, ainda do ano anterior. Com muita nata ou manteiga, punha-lhe o maxixe um novo sabor. O maxixeiro não carecia de plantar; nascia à-toa e era o primeiro fruto da estação invernosa.

Ah, Viroveu ! ! !

Ai, Viroveu . . .

Como fui estulto quando, um pouco mais crescido, amaldiçoava-te por ter que trabalhar um pouco em tua seara! Amaldiçoado tu, que tanto nos deste?! Tu, messe, benesse, seara, celeiro de todos nós... A quantas gerações alimentaste?

Hoje, só posso refazer esses eios pelas asas da saudade. Que o tempo, implacável e cruel, de ti só deixou ruínas; e ao meu bom velho, também já levou.

E assim me fico agora no frio inverno da vida (não seria outono?) a evocar lembranças, como as da primeira apanha de feijão...

Viro... veu! Viro... veu! Viro... veu!


sábado, 10 de dezembro de 2011 2n5b4q

Crônica do escritor João Bosco em homenagem ao seu pai João Mariano (Seu Loura) 704o59

AO MEU PAI(FERRO)




Por: João Bosco da Silva



* - 07.09.1896

† - 07.12.1972

NUNCA MAIS, como antigamente, sentarás no terreiro, lado direito da porta, às 3 horas da tarde. Nunca mais, como antigamente, verás a sombra da casa alongar-se com o decorrer das horas, atingir o tronco do flamboyant, 5 metros adiante, ali pelas 5 horinhas, até fundir-se na imprecisão do lusco-fusco do cair da noite...

Tãum... tãum... tãum... tãum... tãum... tãum...

Seis badaladas mágicas, nostálgicas, comadas, que o velho sineiro da igrejinha local, um quilômetro acima, fazia repercutir nas tardes de domingo. Atualmente aboliu-se essa prática. A voz do sino, nas ave-marias, fica apenas na lembrança dos saudosistas como eu, ou dos mais chegados na idade...

Nunca mais, como antigamente, verei meu pai, nessas tardes de folga, quedar-se contemplativo ao som daquelas seis badaladas, numa atitude de beatífico respeito, recolhimento e místico temor.

Nunca mais, como antigamente, verei esse quadro tão singelo. Aqui já só parece existir o antigamente. Porque tudo já é decadência, abandono e desolação. Meu pai já não está mais aqui; a casa já não pertence à família Loura. O alto em frente encheu-se de vassourinhas e o flamboyant, galhos retorcidos de angústia e saudade, já não flora mais.

Flamboyant, velho amigo! Continuas aí, já não tão firme como antigamente, mais solitário e com ar de quem chora a prolongada e definitiva ausência de entes tão queridos! Outrora, esconderijo de tanto menino gárrulo - filhos, netos, bisnetos - sob tuas ramagens verdes (eu, inseto a devorar tuas flores rubras), quanta conversa tivemos! Agora, aí isolado, desolado, descuidado - de todos esquecido... Agora, ninguém mais te procura, dia claro ou noite escura, quem sabe de ti? Hoje, nem mesmo ocasional viandante te acena, amistoso. O caminho que levava a ti, acabou-se; a casa, cuja frente adornavas, está a ruir... * E o dono da casa?

Foi ear no céu, em outros Viroveus...

A d e u s ! ! !

* * *

Na casa... velha casa... ninguém mais vive. Não se ouve mais um som de nada. Essa saudade silenciosa e surda não produz som e está muito distante. As árvores... velhas árvores... de em volta - o pereiro-preto; o trapiá de meu pai; o jatobá-de-porco; o jenipapeiro (este bem mais novo); o pé de juá (cortado para servir de ração para o gado na grande seca de 1958) - sumiram todas. Oh, breve transitoriedade das coisas... Eternidade tão breve! Quantos anos? 10, 20, 30?

Que sei eu...

Foste aquele pau-ferro da frente lá de casa - frondoso e firme, e de muitos galhos. Um dia, fogo de seca - 1 9 5 8 - da velha árvore tão forte só o tronco restou.

Hoje, retornando após tantos anos, nem o velho tronco chamuscado, nem tu, meu pai, sempre de filhos e netos rodeado!

O velho pau-ferro, que nos viu nascer, tombou pelo fogo da seca. O velho pai-ferro, que nos fez viver, tombou pelo fogo de tanta vida. Tiveste, meu velho, uma vida plena. Velho Loura, bondoso, justo e amigo, da vida te foste, mas deixaste o exemplo. Só que nenhum de nós consegue exercitar, como tu, as tuas raras virtudes: probidade, trabalho e amor!

Meu bom e querido velho Loura! Conforme a gente conversava, fui o herdeiro de tua velha casa e do teu velho Alto do Trapiá. Mas as vicissitudes da vida me obrigaram a desembaraçar-me de tão preciosos bens. Foi para servir teu filho José, em momento de apertura financeira, que deles me desfiz. Seria uma atitude bem tua: Servir os teus filhos, tudo fazer por eles. Por todos nós.

De onde estiveres, manda-nos as tuas bênçãos.

* * *

A MORTE DE SEU LOURA decretou o fim do seu clã. Os filhos, desnorteados, não encontraram entre si liderança a altura de orientá-los e dirigi-los. Mas a vida havia de continuar. E era preciso vivê-la. E veio a dispersão final.

Maria, mãe de Evangelista, foi o primeiro desfalque: faleceu em 1945. Em 1972 - época do óbito do patriarca - já moravam fora: em São Paulo, Teresa (falecida); Em Picos, Geralda e Camila; em Teresina, Mariano e Céu (falecidos) e eu. Após a morte de nosso pai, arribaram para Araguaína: Mané Loura e Bió (falecidos) e José. Como única e última representante direta, apenas Sança continuaria morando em Francisco Santos, até falecer em 14 de junho de 1984.

João Mariano da Silva!

Do teu grande time, restamos vivos: Geralda, José, Camila e eu.

A nós, que ainda cá estamos, mesmo sem a sombra do teu manto protetor, resta a obrigação de honrar o teu nome e homenagear a tua memória – querido velho!

E os netos? E os bisnetos? Há-os espalhados neste imenso território de brasis, tentando levar a vida. Alguns nem se lembram mais, e outros nem sabem, que um dia existiu um bom velho chamado... Seu Loura.

E m J e n i p a p e i r o ,

hoje Francisco Santos.

Onde fica isso? – perguntarão.

. . . ? ? ?

* Esta crônica foi escrita quando o flamboyant e a casa ainda exisitiam. Agora, nem a árvore amiga, tampouco a casa que me viu nascer.