(N)O A R R A I A L
A N T O N I N O – P O L I C A R P E A N O
1. DA TERRA E Suas Românticas Origens
Esse o ponto de referência mais conhecido. Ali, em Picos, a encruzilhada. Marco zero, entroncamento rodoviário do sonho transamazônico dos milicos ditadores. Sonho falido no tocante à integração com a Amazônia.
Picos!
Ponto de encontro das correntes migratórias dentro do Nordeste. E de paragens mais distantes. E, por que não dizer, do Brasil inteiro? Ponto de encontro de arrivistas, especuladores, malfeitores, aventureiros - e de pessoas ditas de bem. Gente decidida a ganhar a vida. Gente que ajuda a fazer a grandeza da terra.
Picos!
Cidade-pólo da microrregião dos baixões agrícolas piauienses. Espécie de escoadouro de riquezas - e de misérias também -, localizado no centro-leste do Estado do Piauí. Guardadas as proporções, pode-se compará-lo ao Recife, do qual disse Gilberto Freire a mesma coisa.
Picos!
Sem desdouro, antes com muita honra e amor: és messe, benesse e quermesse - promessa e realização de todos. Seja dos próprios filhos, seja dos que ali chegam e fincam raízes. Porque a Terra é boa. E generosa. E dela todos se orgulham.
Picos!
Quantos lhe chegam e se deixam ir ficando? Que, de braços abertos, o forasteiro vai sendo acolhido. Ali, o tradicional e o novo vão-se acomodando, armando uma floresta de velhos e novos sobrenomes, a engendrar-lhe viço e vigor, de mistura ao barro, que lhe desce das encostas do morro; ao rio, que lhe lambe as casas, e as leva vez por outra.
Picos!
Caldo e rescaldo de um processo cultural contínuo, a moldar-lhe o que se poderia definir, de modo muito particular, como o modus vivendi picoense.
Picos!
Idolatria de sua gente.
* * *
MAS...
... não é da cidade de Picos que desejamos falar. Muito embora sejamos - e para sempre estejamos - umbilicalmente a ela ligados, queremos falar de GERALHO, nossa terra, berço nosso de tenras e ternas lembranças, sofredouro de santas e inefáveis reminiscências...
Geralho é uma palavra sem registro em dicionário ou mapa. Geralho é, antes de tudo, uma abstração, sem existência concreta. Um lugar imaginário, dos sonhos de Mundico de Boronga... E que, agora, os fazemos nossos. É a nossa terra que nunca foi e jamais será, o que buscamos e já não encontramos.
Etimologicamente, pretende significar: Terra do alho, que gera alho. Mas, como já dissemos, não tem registro. Só existe no nosso ideal. E mesmo, agora, já não se cultiva o alho. Infelizmente. Não feudo, mas - de todos!
G e r a l h o !
Nossa Geralho, ficas ali, pertinho de Picos,
Ficas ali, esquecida, no teu recanto de sal e sol, poeira e vento. Como diz o ditado, ali, "onde o vento faz a curva", o pesado tráfego da BR-316 a direto, porque és ponto terminal,
Nada não, Geralho. Um dia vencerás, apesar de tudo.
Ficas ali, entre dois chapadões, como muito bem disse o nosso ilustre e imortal poeta Chico Miguel (1966): "Entre dois chapadões - Terra bendita / De alma mais pura do que a branca areia". Dois chapadões que vão descendo, descendo, inclinados, suavemente inclinados, lados direito e esquerdo em oposição, até que, à distância de obra de meia légua, começam os lajeiros. Arenosos aqui, de rochas sedimentares além. Aqui, alteia-se rochedo abrupto; além, fende-se em profundo grotão. Ali, um campestre, um socalco de montanha, onde imperam, espalhadas ao acaso, a pedra-de-fogo e a cabeça-de-jacaré, de permeio a uma flora leve de velame, xiquexique, touceiras de macambira de chapada e quipá. (Esta última dava uma frutinha gostosa! Antes de descascá-la, era preciso esfregá-la na areia com a planta do pé para retirar-lhe os finíssimos espinhos). Na beira dos talhados, a macambira de flecha, com que a meninada fazia alçapões e gaiolas para captura de canários, sofreus e outras aves canoras de nossa ainda rica fauna aviária.
São os tabuleiros, os quais, para mais nada se prestando, são iráveis celeiros de alimentação de rebanhos e mais rebanhos de ovinos e caprinos.
Vão descendo mais e mais, até atingir o cinturão verde de trapiás, juazeiros, jenipapeiros, muquéns, pajeús, ingazeiras, angicos (o branco e o preto) e as centenárias oiticicas. É o fundo do vale, por onde, no inverno, corre célere o Rio.
Sobre uma ribança de areia fina e frouxa, de forma arredondada, à feição de uma grande meia-lua, à margem esquerda do rio, planta-se: GERALHO.
Geralho!
Terra que Mundico de Boronga sugeriu asse a chamar-se Geralho, porque lá, alho é (era) vida!
Geralho!
Gente que vive do amanho da terra enfraquecida, a extrair com sangue o sustento, até quando, faltando o alento, nela tombe - exangue!
Geralho!
Mandioca, feijão e alho: tripé econômico de parcas rendas, mas de muito trabalho!
Geralho!
Terra onde "o pão nosso de cada dia" era feijão todo santo dia. Terra nossa - Terra minha -, onde a janta era um prato de coalhada, amarrada com farinha; ou um "fino" moca, com beiju de tapioca...
Geralho!
Nossa Geralho. Por que não nosso Geralho? - no masculino, macho como teus filhos? Por que, ao contrário, te fizemos mulher, te fizemos feminina? Não te fizemos feminina por acaso ou por engano. Foi proposital. Te chamamos de nossa porque és mulher; a mulher de todos os teus filhos. A amante, e a mãe. Mãe-Geralho. A Deusa da Agricultura, a Ceres bendita, a geratriz - o útero que produz, e a todos alimenta.
GERALHO,
Terra minha, Terra nossa. Terra minha de sol, Terra minha de vento; gostosa areia branca de riacho, meu sal da infância, meu secreto vício. Do suor dos meus pais, do suor dos teus filhos - de mistura ao teu humo escuro e forte -, gostosíssimo sabor de sal.
Geralho,
Terra que eu comia com gosto, quando criança carente. Gostaria que fosses tu a comer a minha carne, dessa forma reincorporando-me ao teu barro forte, quando minha hora chegar. Quem sabe, assim, não possa eu renascer numa árvore, num arbusto, servir de adubo para a relva macia, ou até mesmo para a erva daninha de envolta à sepultura, quando o abandono e o esquecimento chegarem?!
Minha Geralho,
Geralho dos meus sonhos
Jenipapeiro real da minha doce infância,
ou Francisco Santos (que feudo não sejas!,)
mesmo de longe (digam de mim o que disserem):
e u t e a m o !
Sou um ser telúrico.
Nessa crônica-poema, feita pouco depois da elevação de Jenipapeiro à condição de cidade, pudemos expressar todo o nosso amor à terra.