(N) O F E U D O
S A N C T O R U M
1. F R A N C I S C O S A N T O S
A Emancipação Política
QUE O HOMEM É UM ANIMAL POLÍTICO, isso já afirmava Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384 e
Acreditamos que, guardando semelhança com todas as comunidades primitivas ou principiantes, a nossa teve que se basear, pelo menos nos primeiros tempos, na necessidade de se criar um líder ou chefe, a pessoa capaz de exercer domínio e poder sobre as demais e de enfrentar eventuais ataques externos. Não obstante o surgimento desse líder ou chefe acontecer mais ou menos de maneira natural, via de regra quem irá impor-se será aquele que se destacar na comunidade, por diversos fatores, mormente o econômico, podendo-se vislumbrar aí resquício da teoria darwiniana da Seleção Natural, em que sempre vence o mais forte.
Esta noção, que se confunde com a noção primitiva de Deus, tanto ou mais se tornará arraigada se esse líder ou chefe exercer sua autoridade baseado no respeito mútuo, no livre arbítrio e na justiça, desenvolvendo suas ações com pulso firme, mas sem imposições ou autocracia. As vias da força, do autoritarismo e/ou da arbitrariedade, conforme assevera Maquiavel, poderão também engendrar líderes; esses, porém, serão sempre temidos, jamais amados e respeitados.
Assim, cremos, plasmou-se nossa comunidade: à sombra de um grande líder.
No início do século XX, já a grande família ancestral se havia partido e repartido em ramos múltiplos, embora ainda conservasse o forte traço endogâmico e endogênico e o sentimento de clã e parentela.
Em 1918 falecia em Picos o senhor Antônio Rodrigues da Silva, no exercício da Intendência, deixando como sucessor e continuador de sua obra e legados políticos o parente e conterrâneo Cel. Francisco Santos, a quem iniciara na atividade (Silva Neto, 1985, p.77).
Assim, ficava em Picos, cidade-mãe, pólo de maior fermentação sócio-econômica e política, o filho da terra, Cel. Chico Santos; e cá, o seu irmão Licínio Pereira dos Santos, figura humana de valor incomparável. Tomando a democracia no sentido mais amplo da palavra, aquele em que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido; e a política como a ciência do governo dos povos, ele não exerceu cargos públicos e nem funções políticas. No entanto, segundo Silva Neto, foi, durante décadas, o líder natural, o conselheiro, o guia, o amigo, ouvido e respeitado por toda a população (p. 77). Palavras como casuísmo ou fisiologismo, tão atuais, não se conheciam em sua época. Seu Licínio jamais teve delas o sentimento, muito menos as pôs em prática.
Juiz de paz, conciliador, conselheiro e amigo, anfitrião de padres e demais autoridades religiosas, dono das chaves da igreja desde l9l8, encarnava muito bem a figura do patriarca, do grande líder, do chefe justo a quem todos amavam e respeitavam.
Mas a comunidade crescia. Alguns elementos "de fora" começavam a quebrar o sistema de casamentos entre membros da família ou de parentes próximos, dando feições novas aos componentes da fechada comunidade familial jenipapeirense.
Também em Picos uma nova família começava a surgir, impondo lideranças novas ou pelo menos entrando em processo de conflito, senão em franca atitude de contestação ao dominante clã dos Santos, onde o nosso Coronel Francisco de Sousa Santos era figura proeminente. Registre-se, a bem da verdade, que não apenas a esse fato do entranhamento familial, entre nós, com “ramos de fora” deveu-se a formação de novas lideranças. Elas foram surgindo por razões diversas como, p. ex., o crescimento da população, a conseqüente ampliação da parentela e dos grupamentos e, inclusive, pelo anseio natural (e muito humano) de participação do poder político, mormente quando Jenipapeiro começou a desfrutar de certa importância no cenário municipal da cidade de Picos. Tanto isso é verdade que já em 1935 o vilarejo foi elevado à condição de povoado.
Em Jenipapeiro, essa ala dissidente teria como partidários maiores os senhores Francisco Rodrigues de Sales, vulgo Chodó (a grafia com ch ele mesmo explica que é para diferençar de xodó: chamego, namoro) e Arlindo Rodrigues Lima, cuja oposição, embora débil, haveria de manter-se em firme trincheira, na defesa de seus ideais ou interesses, tanto assim que, em conluio com o então deputado estadual Helvídio Nunes de Barros, derrubariam em l956 o primeiro projeto de elevação do povoado Jenipapeiro à categoria de cidade.
Ressalva, porém, se faça quanto ao surgimento dessa tíbia oposição iniciada pelos senhores Chodó e Arlindo Lima. Ela se deu por motivos pessoais, embora, depois, tenha entrado com muita força o fator político, em vista mesmo da importância política que o povoado vinha adquirindo.
Chodó, segundo narrou-nos seu filho Deusdédite, fora fiel seguidor do Cel. Chico Santos, a ponto de, a cada eleição, convencer seus amigos e seguidores a irem, a cavalo, votar em Picos no candidato que “Seu Chico” indicasse. Certa feita, porém, em um dia qualquer dos anos 1939 ou 40, João de Zé Belchior, tido como débil mental, pôs-se na frente de sua casa (casa de Chodó), a fazer gestos obscenos para sua mulher e filhas. Não gostando daquilo, Chodó tomou-o pelo braço e foi entregá-lo na casa do pai,
Chodó, achando que teria havido endosso da família Santos no episódio, em Jenipapeiro ou em Picos, ficou desgostoso e ou, então, a divergir e fazer oposição política à família.
O caso de Arlindo foi motivado por uma questiúncula. Trata-se do fechamento de uma janela que um partidário da família Santos teria deixado aberta em um muro confrontante com um terreno seu. Arlindo, após reclamar e não ser atendido, decidiu fechar a janela por conta própria. O dono não gostou e entrou em perseguição ao vizinho, com ânimo de aplicar-lhe um corretivo, só não o fazendo porque o perseguido chegou primeiro aos seus domínios, no Alto de Zé Lima, onde morava. Essa tentativa de ajuste de contas se deu por instigação de Chico Elpídio, embora sendo ele cunhado de Arlindo. Este, que era correligionário dos Santos, sentindo nisso o dedo político dessa família, igualmente como acontecera a Chodó, ficou desgostoso e também ou a fazer oposição. (A defecção de Arlindo nos foi relatada por Simplício Morais Santos).
A queda do Estado Novo, em 1945, abalaria bastante o prestígio do Cel. Francisco de Sousa Santos
Com a sua assunção ao governo, em
Era em um tempo em que, pelo menos para nós, a política era esse tecido de amadorismo, de amor e paixão pelo líder e pelo partido. O Cheiro das grandes e podres negociatas ficava longe, deixando a nós o romântico idealismo que separava antagonistas, apelidados CARETAS uns, se eram da UDN; e MACACOS outros, se pessedistas.
Criança de 6 para 7 anos, ainda nos lembramos do pleito de l950, com seus alegrões, que depois se chamariam comícios e mais tarde showmícios. A mídia eletrônica, criação mais recente, é mais prática e eficaz, porquanto atinge milhões e milhões de uma só vez, sem as inconveniências das vaias, dos tomates e dos ovos podres. Antigamente, eram festas alegres, em que se distribuíam aluares e gasosas e o candidato-orador ainda podia olhar no olho de seu eleitor para pedir-lhe o voto; porque em suas promessas havia alguma intenção sincera e em sua cara, alguns laivos de vergonha. Assim o era, pelo menos o político dos povoados e vilas, aquele que mais próximo ficava de suas bases.
Assim crescia Jenipapeiro, social, econômica e politicamente. O pequeno vilarejo de l918 tornara-se povoado em l935. Na década de 1950 (3ª legislatura, 1955), produziria dois vereadores: Izac Pereira dos Santos, pelo PSD; e Francisco Rodrigues Sales, pela UDN; e na 4ª, Elizeu Pereira dos Santos, pelo PSD.
Não nos foi possível encontrar projetos específicos apresentados por Izac e Elizeu. Deste último, o trabalho maior foi o de empenhar-se com toda garra no projeto de independência político-istrativa de Jenipapeiro. Com relação a Chodó, sua bisneta Cleânia desencavou vários deles na Câmara Municipal de Picos. Especificamente sobre Jenipapeiro, Chodó conseguiu um crédito de CR$8.000 para desapropriação da residência do Sr. Firmino Carvalho. Essa casa, para quem não se lembra, ficava fora de alinhamento, avançando cerca de 5 (cinco) metros no leito da rua que vai do Mercado Público em demanda do Saquinho. Era um monstrengo enfeiando o eio público. Foi de muita serventia o projeto de sua retirada.
Como se pode perceber, ávamos a influir, dessa forma, na vida político-istrativa da cidade de Picos. A partir daí o sonho de alçar vôo maior aria a ocupar espíritos e mentes dos representantes do PSD, com forte oposição dos udenistas, em esmagadora minoria.
Mas esse é um capítulo cheio de tramas e traições, que se arrastaria por muitos anos, até culminar com o sonho maior de toda a gente. Queríamos, ao escrever nossas cartas, começar assim:
Francisco Santos-PI, tanto de tanto etc...
* * *
FRANCISCO SANTOS-PI., 24 de Dezembro de 1960!
D a t a h i s t ó r i c a !
Não se chamou GERALHO, como queria Mundico de Boronga (o segundo mais famoso autodidata da terra, professor emérito; que o primeiro era o mestre Miguel Guarani, sem sombra de dúvida). GERALHO, substantivo novo, de sua invenção, para significar: Terra do alho, que gera alho. GERAR + ALHO. Muito apropriado. Mas não o quiseram os grandes do lugar. Aliás, nem o levaram em consideração.
- Mas, Geralho? O que é Geralho? - pergunta o chefão.
- Geralho é uma palavra nova, que quer dizer: Terra do alho, que gera alho.
- Mas por quê? - ele insiste.
- Para traduzir algo nosso, aquilo que é símbolo da terra, do nosso trabalho - responde Mundico.
- Francisco Santos é bem mais nosso. É o nome do benfeitor desta terra, daquele que muito fez por nossa gente - contrapõe um outro liderado.
- Por que não se deixa então JENIPAPEIRO? - insiste o professor.
- O nome é Francisco Santos mesmo - ecoam em uníssono todos os notáveis e puxa-sacos penetras.1 É uma justa homenagem a quem tanto fez por este povo.
O Sr. Francisco de Sousa Santos, carinhosamente chamado “Seu Chico” ou “Chico Fartura” pelos mais chegados, e de Coronel Chico Santos por todos de modo geral, foi inegavelmente um benfeitor, o parente e amigo que jamais faltou ao conterrâneo que lhe batesse às portas. Se pedia rancho, lá estava o grande telheiro para armar a rede, a bóia na mesa, a quinta para os animais; se precisava de um papel, um documento qualquer, ele se prontificava a arranjar; se carecia de um médico, havia o Dr. Moura, seu filho, a dar atendimento digno e desinteressado. O Dr. Moura atendia a todos os chamados. Se houvesse dinheiro, recebia; se não, recebia uma galinha, um agrado qualquer. Se não havia nada, o "muito obrigado" era paga suficiente.
- Então - conclui Elizeu, líder político e irmão do homenageado, o homem que conduziu todo o processo, sem descanso e esmorecimento - então, como eu dizia, todos estão de acordo? A cidade vai se chamar FRANCISCO SANTOS?
FRANCISCO SANTOS!
Explodem as palmas.
E o autodidata, diretor da Escola Reunida Franco Rodrigues, calou-se, vencido. O filho de Boronga e de Carmina, desgostoso, e achando que não teria mais vez na futura cidade, sua terra-berço, mudou-se para São Paulo, e hoje, segundo esparsas notícias, vive muito bem em uma cidade do interior paulista.
* * *
FRANCISCO SANTOS - PI., 24 de dezembro de 1960!
Essa é a data oficial de instalação da cidade de Francisco Santos, antigo povoado de Jenipapeiro, desmembrado do município de Picos.
A festa para receber o Governador e sua comitiva fora preparada com esmero. Ruas enfeitadas de bandeirolas, desde o largo da igreja até o final da Rua do Tetéu, na entrada da cidade, banda de música contratada em Picos para a recepção, e baile logo mais à noite, além de lauto banquete para as autoridades.
Já de longa data preparara-se a população para o grande dia, mandando recompor a pintura das casas (à exceção de uns poucos adversários mais ferrenhos), renovando o guarda-roupa, tomando outras providências, de forma que nada pudesse sair errado. Afinal, era um acontecimento único e inédito e todos desejavam apresentar-se da melhor maneira possível.
Por volta das l5:00h daquele sábado quente, uma comissão de notáveis se deslocou até a BR-3l6 para esperar Sua Excelência, o Governador, com a sua comitiva de ilustres Deputados e Secretários de Estado, cujas presenças haviam sido confirmadas.
E haja o povão a esperar. Caras para o sol, suor e sede, era preciso muita conversa para dissimular a impaciência e a ansiedade. O tempo ando; dá l6 horas, dá l7. São rasgadas as primeiras bandeirolas, há ameaça de invasão da rua e de rompimento do cordão de isolamento.
De repente, um sinal: estouram os foguetes, lá pela altura das Três Baixinhas.
“Até que enfim!” - murmura a turba, irrequieta.
Aproxima-se a caravana. A multidão se move. Espicham-se os pescoços. Encompridam-se os olhares.
“Cadê o carro oficial">